Ilustrando o meu caminho de volta à vida

 

                                                                                   Por Danie Ferreira*

“A arte em si é como um sonho, é uma forma de elaboração do inconsciente.”

 

Olá, me chamo Danie Ferreira. Sou artista plástica e ilustradora na @creepyecuteart.

Vim falar com vocês sobre um assunto que considero bastante pertinente.

De artista para artista, seja qual for a sua área de atuação e de artista para você, leitor da Imersa/SA, e para vocês que me acompanham e me seguem nas minhas redes sociais.

Este é um relato pessoal de como a arte tem me ajudado há quase um ano e meio, e me mantendo viva e lúcida.

 

Em 2019, descobri uma disfunção nos meus batimentos cardíacos. Houve tratamento e muitas medicações.

Em 2020, sofri um infarto. E eu mesma me “salvei” ligando para a ambulância, não tinha ninguém em casa.

Minha pressão chegou a 29 por 11 e os batimentos cardíacos a 192.

Fui socorrida mas fiquei morta por 2 min e 38 segundos. O médico responsável não desistiu de mim, e mesmo sem esperanças, ele tentou me reanimar, obteve sucesso e , eu voltei á vida. (Viva o SUS).

Ele disse que nos seus 30 e poucos anos de carreira, nunca viu ninguém chegar com vida na minha situação e que eu era um milagre.

Lembro de duas coisas: “como foi difícil passar por isso tudo sozinha” e “como eu acordei”.

Parecia que tinha acabado de acordar de uma cirurgia de transplante de retina porque eu estava enxergando a vida com outros olhos. Explicar é difícil por que o sentimento que me tomava era imensurável.

O médico que me socorreu ligou para o meu cardiologista para que ele me atendesse com urgência, porque certamente teria sequelas e precisaria passar por alguns exames e avaliações.

Era o início da pandemia, tudo já estava um caos e entrando em colapso e também tinha acabado de passar por alguns problemas pessoais que me deixaram com alguns traumas emocionais.

Tive estresse pós traumático e sim, haviasequelas.

Uma das veias do meu coração inchou. Eu não tinha mais imunidade nenhuma, tomava cerca de 12 comprimidos por dia fora o remédio da asma.

Essa quantidade absurda de medicação complicou o meu fígado que, por sua vez, também deu problema.

E para piorar, a minha asma diagnosticada na fase adulta, e segundo a pneumologista uma das mais perigosas, foi para o estágio quatro.

Mas não parou por aí. A artéria principal do coração inchou, fazendo com que meu coração também inchasse, esmagando as veias e impedindo que o sangue passasse por elas para fazer o bombeamento necessário e consequentemente, o coração inchado estava esmagando meus pulmões.

Foi um ano inteiro de tratamentos intensivos, inúmeras medicações, inúmeras idas e vindas para clínicas e hospitais e o dia que eu jamais vou me esquecer, foi o dia em que o médico disse que eu não viveria até novembro (mês do meu aniversário). Neste mesmo dia, me sentei com a minha mãe e fomos falar sobre a minha morte.

Tenho certeza que nós duas jamais iremos nos esquecer do ano de 2020.

Mas o que essa minha história tem a ver com a arte?

Absolutamente tudo!

Arte nunca foi meu trabalho principal. Mas a pandemia pegou todos nós desprevenidos e eu também entrei para a estatística dos desempregados. E, nesse processo louco com a saúde, nessa montanha russa de medo, incertezas, tristezas, dores, angústia, preocupações a arte me salvou de duas maneiras:

A primeira, me impedindo de entrar em depressão já que tinha crises de pânico e picos de ansiedade bravíssimas. E, financeiramente, porque mergulhei de cabeça no que eu sabia fazer, tentando dar o meu melhor, estudando todos os dias para melhorar as minhas técnicas, e tudo foi dando muito certo, portas se abrindo, pessoas incríveis chegando na minha vida. Através da arte eu consegui pagar todo o meu tratamento e, nesse processo, me desconstruir e me reconstruir todos os dias.

Senti três coisas que não sentia há anos: Paz, orgulho e realização pessoal.

Nesse processo, também houve a reconstrução do meu amor próprio, do encontro do meu eu mais profundo, da reconstrução dos meus valores, sonhos e ideais.

Queria falar com vocês sobre a Arte Terapia e como ela me ajudou e pode ajudar você que se identifica de alguma forma com a minha história.

 

A Arte Terapia é uma prática terapêutica que busca em primeiro lugar o autoconhecimento e o tratamento de condições mentais e emocionais por meio da arte.

Usamos diversas formas de expressões artísticas como por exemplo, desenho, pintura, escultura, modelagem, escrita e pode-se abranger para outros tipos de arte como a música, a literatura, etc.

Você não precisa ter conhecimento ou técnica alguma, ou algum tipo de talento especifico, por que o foco está na simples expressão trazida pela arte. Não há porque ter preocupação com a questão estética.

 

Carl Jung usava a seguinte expressão: “A arte é um dos principais jeitos de expressar o inconsciente pessoal e coletivo simultaneamente”.

 

Na pintura, no desenho e na escrita, é possível expressar de maneira interessante pois é possível fazer uma representação das emoções por conta da fluidez tanto dos materiais quanto das emoções.

A maneira como se usa as cores nas telas, o grafite, as canetas no papel dizem muito sobre nós, nossas emoções e como estamos nos sentindo no momento.

O desenho não necessariamente expressa a realidade em si, mas sim a forma como vejo ou vemos as coisas.

Trabalho elementos como o espaçamento, a coordenação espacial e visual, bem como os temas presentes nas ilustrações e os meus materiais que são a pena e o nanquim, exige de mim todo um processo que consequentemente exige muita paciência.

Esse processo inclui a limpeza das pontas cada vez que são usadas, as trocas das penas de espessuras diferentes nos cabos, o molhar de pena a cada traço novo na arte no papel em pequenos intervalos sempre tirando o excesso para fazer o uso novamente.

E no papel, o nanquim tem seu processo de secagem, qualquer deslize borrando a folha molhada pode-se perder a arte toda em segundos.

É um trabalho extremamente minucioso porém belíssimo e prazeroso, e é assim meus caros leitores que a arte tem me curado e me salvo todos os dias.

Na abordagem dos temas, nós mesmos conseguimos ter uma ideia de alguns dos nossos conflitos interiores, aqueles que temos dificuldade para expressar com atitudes e palavras.

Sobre a escrita, podemos falar da escrita criativa e o fluxo de pensamentos que nos causa algum tipo de paz interior por ser mais fácil escrever tudo o que estamos sentindo seja em um desabafo intimo com o nosso caderno que não fala e não opina como também, usando um personagem para representar esses sentimentos presos.

Assim, podemos ter uma melhor compreensão de nós mesmos já que muitas vezes, nossas questões internas não estão claras nem para nós mesmos e poder compreende-las muitas vezes pode ser um desafio.

Terapia é algo muito importante, porém nem sempre acessível para todos.

Já a arte de modo terapêutico, é acessível e você pode tentar aí na sua casa, no seu espaço.

A arte também nos ajuda a chegar na raiz dos nossos problemas aos poucos e nos faz compreender melhor o nosso próprio eu.

 

Eu quase morri três vezes e continuo neste 2021 lutando pela minha vida com relação á minha saúde. Mas, diferente de antes, eu tenho a arte e a escrita como aliadas fiéis. Mais confiança em mim, na minha capacidade de superação e na minha força para poder vencer mais tudo isso mais uma vez e quantas vezes mais forem necessárias.

 

Espero que vocês estejam se cuidando e que fiquem bem.

E espero que o meu relato e as minhas palavras, os ajudem um pouco a clarear as ideias nesse momento difícil que estamos vivendo mas que vamos superar.

 

Um abraço.

Danie




 *Danie Ferreira é artista plástica e ilustradora na @creepyecuteart.


 

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

CHARLES SOULZ PROJECT

A PERSONAGEM BONNIE DE THE END OF THE F***ING WORLD e porque ela diz tanto sobre nós (CONTEM SPOILERS)

MOTIVOS PARA LER O SEGUNDO SEXO