Conheça a arte digital de Gabriel Lima!


 Por Bruna Vasques*
    
    Filho de professora de Artes, nascido e criado no interior de São Paulo, Gabriel Lima é um artista digital que desenha lindamente com muita criatividade e cores fortes. Ele nos contou um pouco da sua trajetória, influências e processo criativo. 

IMERSA S/A: Primeiramente, quero agradecer a você por falar sobre a sua arte com a gente, Gabriel! J

GABRIEL LIMA: Eu quem agradeço o convite para participar e falar um pouco do meu trabalho, estou muito feliz de estar aqui falando um pouco do que eu faço!



IMERSA S/A: Essa pergunta é um pouco clichê, mas é interessante conhecer a trajetória dos artistas. Então, conte para nós como foi que você adentrou a área das artes visuais. Hoje você é, sobretudo, um artista digital. Mas imagino que tenha começado no papel...

GABRIEL LIMA: O caminho pra chegar onde cheguei foi meio tortuoso, por diversos motivos, mas sim, tudo começou no papel, afinal de contas, minha idade denuncia o material que era disponível na época. Eu e meus irmãos sempre fomos muito estimulados pela nossa mãe, que é professora de artes aposentada, a exercitar nossa criatividade, então foi ela quem ensinou os primeiros passos, acompanhou e reconheceu desde sempre. Só entrando na adolescência é que fui ter meu primeiro contato com arte digital, na época brincando um pouco com pixel art, um pouquinho de ilustração e fuçando em uma coisa ou outra de fotomanipulação e edição. Com o passar dos anos eu fui deixando a atividade de desenhar de lado, principalmente na fase pré-vestibular, e uma vez na faculdade eu praticamente sepultei a ideia de desenhar alguma coisa. Foi só bem próximo do final do curso que um amigo querido de faculdade chegou pra mim dizendo que precisava de umas ilustrações pra um jogo que ele estava desenvolvendo e que ele sabia, ainda não tenho certeza de como, que eu ilustrava algo. Topei e foi aí que eu comecei a voltar pra essa forma de exercer a criatividade, bem timidamente. Agora já são mais de 11 anos me dedicando a arte digital em suas diversas formas, da animação 2D ao voxel art.


IMERSA/ SA: É evidente que você tem uma grande inspiração no mundo dos jogos. Trabalha desenvolvendo personagens para jogos também, não é?

GABRIEL LIMA: Trabalhar já não sei se é bem a palavra que eu usaria, pra ser bem sincero. Minha carreira com jogos foi uma carreira bacana, se iniciou por volta de 2011, mas também foi cheia de decepções  e desencantos que me tiraram desse caminho quase que por definitivo. Só hoje, quase 3 anos após ter decidido não trabalhar mais na área, é que começo a retomar alguns projetos pessoais, pegando alguns outros trabalhos pontuais em que acredito muito, mas não tenho a intenção de que volte a ser meu ganha pão não. Percebo que quando algo é muito íntimo pra você se torna muito difícil de ter aquilo como uma profissão, porquê os baques que toma doem muito mais, se torna muito mais pessoal. O jogo digital é uma mídia que eu gosto muito, uma mídia com a qual cresci e dialoguei muito, mas o custo pra se trabalhar com jogos - seja emocional, profissional ou psicológico - é bem alto para mim no momento.



IMERSA S/A: Quais são os jogos que mais te inspiram?

GABRIEL LIMA: Difícil até mesmo listar uma porção deles, por ser uma mídia em que você tem sobreposição de inúmeras áreas, não é difícil você ter lá uma dezenas de jogos te trazendo influências específicas por motivos específicos. Então eu acho que eu falaria do jogo que me fez querer ter uma carreira criativa, que foi Secret of Mana, um RPG da Squaresoft para Super Nintendo. A interação com esse jogo é uma memória afetiva muito forte pra mim, a natureza exuberante e fantástica presente no jogo - de autoria do falecido Hirō Isono - com uma das trilhas mais memoráveis que Hiroki Kikuta compôs criaram no meu imaginário uma experiência muito marcante e a qual eu trago de referência até hoje. É um jogo que eu revisito sempre, seja nas artes de conceito exuberantes onde Hirō Isono retrata as pessoas como minúsculas diante da natureza, seja nas músicas atemporais do Kikuta. Outra inspiração muito forte são os Final Fantasies da era 8 e 16 bits, quando o artista de conceito principal da Squaresoft era Yoshitaka Amano, com seus trabalhos marcados pela androginia, ambientações surreais e uma riqueza absurda de detalhes.




IMERSA/SA: É admirável o seu trabalho de desconstrução dos padrões no que diz respeito ao gênero. Algumas são andrógenas ou não-binárias. Fale um pouco sobre isso....

GABRIEL LIMA: Não sei se eu colocaria como admirável, no fim do dia eu só estou registrando corpos e existências que estiveram aí desde sempre, mas que não necessariamente estiveram sempre nas mídias mainstream. Meu trabalho nem de longe é tão disruptivo, relevante ou significativo quanto os trabalhos destas mesmas pessoas andrógenas ou não-binárias, o objetivo é apenas mostrar que essas pessoas existem, são válidas e são belas. Eu acho que uma das funções das diversas artes é justamente dar as pessoas as ferramentas pra se olharem com um pouco mais carinho e cuidado, pra que possam apreciar a beleza que tem nelas mesmas e que muitas vezes a sociedade as convenceu do contrário, que precisavam seguir, desempenhar ou performar uma certa identidade de gênero, caso contrário suas existências seriam invalidadas das mais diversas formas possíveis. E fica aqui o pedido pra quem lê: apoiem os artistas marginalizados da sua cena local, artistas negros, LGBTQIA+ e periféricos, existem muitas vozes incríveis produzindo conteúdo muito maneiro e extremamente importante!


IMERSA/SA: A gente sabe que muitas personagens tidas como femininas foram (ou ainda são, em alguns casos) construídas para o famoso olhar masculino. A personagem da arte acima é retratada em sua nudez, mas o que chama a atenção verdadeiramente é a sua força, não pelos músculos, mas pela postura empunhando a arma. Claro que cada um enxerga de uma forma, mas eu não vejo sensualidade nessa imagem. Existe uma crítica dos estereótipos no seu trabalho?

GABRIEL LIMA: Pra mim, honestamente, não é tão difícil desassociar o corpo nu de sensualidade, nenhum corpo é inerentemente sensual tampouco sexual. Agora existe sim uma necessidade de se enxergar a forma como o corpo lido como feminino é explorado nas diversas mídias e ter a vontade de seguir por outra forma de se expressar. Por isso mesmo acho que não consigo nem categorizar o que faço como uma crítica, uma vez que não estou incitando um debate ou lançando uma provocação que seja, eu só optei mesmo por não seguir numa lógica de produção problemática e com a qual eu não estou de acordo. Existe uma infinidade de outras coisas que o corpo ou a imagem lida coma feminina pode apresentar dentro de uma composição que não seja a sensualidade.



IMERSA S/A: Também há uma outra vertente no seu trabalho que mais se aproxima das pinturas onde são retratados situações e sentimentos como nesse trabalho lindo em que a moça se abraça e se entrega uma rosa. Como leiga, eu imagino que seja possível elaborar, através de arte, sentimentos e emoções. Que a arte tenha, por assim dizer, uma função terapêutica. Como enxerga isso?

GABRIEL LIMA: Existe sim uma função terapêutica, há uma área híbrida que é a arteterapia, entretanto não sou profissional da área para poder falar com propriedade como isso funciona dentro da nossa cabecinha. Mas posso falar de emoções e esse sim é um belo de um desafio, somos bichinhos cheios de subjetividades, tudo que você consome vai te provocar uma série de sentimentos que, não necessariamente, eram os objetivos de quem produziu aquilo. Essa cena da Spinel que citou, por exemplo, eu estou tentando retratar um personagem que foi abandonada, mas que eu desajaria do fundo do coração que encontrasse conforto no amor próprio, por isso o ato de se abraçar com seus bracinhos de macarrão enquanto observa a rosa que simboliza quem a abandonou. Isso é algo que todos nós vamos viver, todos nós vamos nos familiarizar em algum momento, o sentimento de abandono. E aí eu espero que a gente encontre refúgio e conforto não só em famílias e amigos, mas também em nós mesmos, pois merecemos amor sim e tem pouca coisa tão boa quanto se amar e se cuidar.


IMERSA S/A: Claro que nós temos que perguntar quais são as suas influências não só nas artes visuais, mas na arte no geral. Alguma outra forma de arte te inspira como a música, literatura ou outras ainda?

GABRIEL LIMA: Nossa, muita coisa. Na literatura Neil Gaiman e Terry Pratchett são os maiores nomes. Na música tem de tudo um pouco, de Emicida e Mano Brown a composições de Yoko Shimomura, nas artes visuais eu posso falar de Akihiko Yoshida, Shinichi Kameoka a Van Ghogh. Falando de animação, de Alex Hirsch e Noelle Stevenson a Hayo Miyazaki. Tudo depende dos sentimentos do momento, onde estou e para onde quero ir.

 


IMERSA S/A:  Como é o seu processo criativo? Do nada te vem a imagem da arte? Ou você se prepara e se concentra para criar?

GABRIEL LIMA: Um misto dos dois! Um bom processo criativo sempre vai precisar de referências, então o primeiro passo é sempre coletar referências para a peça que vou compor, seja ela pra um cliente, seja porquê eu consumi algo que me provocou alguma emoção. Em seguida eu vou organizar as ideias das referências de uma forma rápida, seja pela composição de silhuetas ou criando miniaturas da arte objetivo, esses métodos me permitem colocar ideias pra fora de forma rápida e selecionar quais são as melhores. Muitas vezes você acaba por por no papel ou na tela algo bem diferente e melhor do que você imaginou inicialmente. Só depois começo um esboço geral do trabalho o qual vai ser refinado para apreciação e, se tudo estiver de acordo para as partes interessadas, sigo pra arte finalização e colorização da peça. Isso claro, falando de ilustração exclusivamente, como eu trabalho com uma certa variedade de peças digitais é difícil falar de um processo uniforme para todas, apesar das semelhanças que existem.

 

IMERSA S/A: E qual é o equipamento que você usa? E as técnicas que emprega?

GABRIEL LIMA: Em geral eu uso a mesa digital para ilustrar, salvo para modelagem 3d ou pixel art, onde prefiro bem mais o velho mouse. Muito das minhas técnicas de ilustração são adaptações ou extrapolações das técnicas de pixel art, como por exemplo o uso de uma paleta bem limitada e dithering para a criação de um degradê com uma terceira cor que não está realmente presente. Também gosto muito de texturizar meu trabalho, lançando mão de técnicas para reprodução da matriz de meio tom, presente em trabalhos de impressão de jornais, onde você consegue enxergar os pontos de cores cianos, preto, amarelo e magenta.


IMERSA S/A: O que teria a dizer para aquela pessoa que tem o desejo de trabalhar com artes visuais? Alguma dica?

GABRIEL LIMA: Leia, assista, ouça, coma comidas difrentes, sinta perfumes novos, conheça pessoas. Literalmente tudo que consumimos é material criativo, ser criativo é remixar de formas novas coisas que já existem dentro da sua cabeça. Não se sinta intimidado, toda arte exige tempo de dedicação e por muitas vezes demora até vermos algum progresso no nosso trabalho. Evite a cilada da comparação, ela não te ajuda em absolutamente nada, muito pelo contrário. Cada um tem uma trajetória bem particular, não use a mesma régua que mede outra pessoa para se medir. Mantenha um arquivo de seus trabalhos antigos, principalmente os que não gostou, não rasgue trabalhos e jogue fora, porquê dali um, dois anos, pode olhar em retrospecto e ter uma noção muito mais sólida de quanto evoluiu. Isso é especialmente poderoso quando estamos nos sentindo mal com nosso trabalho.

IMERSA S/A: Gabriel novamente, em nome da Imersa S/A, quero agradecer a disponibilidade. Peço que deixe aqui exatamente todos os seus contatos uma vez que você também trabalha por encomenda e possui uma lojinha onde é possível adquirir obras tão incríveis!

GABRIEL LIMA:  Eu quem mais agradeço o convite, agradeço também pelo espaço cedido, pelo carinho e pela confiança no meu trabalho. Pra quem quiser ver um pouco mais do que faço e talvez fechar alguma encomenda, podem me encontrar no Instagram em http://instagram.com/tiopalada ou no twitter em http://twitter.com/_tiopalada . E para quem quiser ver os produtos que tenho com minha arte, dêem uma espiada em https://www.colab55.com/@tiopalada,tem uma infinidade de designs para todo tipo de produto, de camisetas a adesivos! Mais uma vez, muito obrigado!







*Bruna Vasques é cientista social e pedagoga. Foi lindamente desenhada pelo querido Gabriel Lima, entrevistado nesse artigo. 


    

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