Entrevista com Amanda Rocha da La Burca

 Apesar da dificuldade de algumas informações chegarem aqui na década de 1980, momento em que não tínhamos praticamente nenhum acesso à internet e consequentemente uma grande dependência dos veículos de informação baseados em papel, como revistas, zines e jornais, ainda assim podemos dizer que a história do post punk no Brasil acompanhou a história desse estilo no resto do mundo, tendo em vista a vasta produção e proliferação de bandas no país nesse período, com nomes como As Mercenárias, Arte no Escuro, Último Número, Violeta de Outono, entre outros. De lá para cá algumas coisas mudaram, uma maior disseminação da informação, acompanhada de uma certa abertura de espaços para estilos musicais menos conhecidos nos fez entrar em contato com bandas de post punk que se fundem à vários outros elementos, atualizando o estilo de forma maravilhosa. No interior do Estado de São Paulo encontramos o exemplo da La Burca, banda fundada por Amanda Rocha, que mescla um post punk sombrio com melodias do folk e elementos do grunge. Amanda é jornalista, parte da comunidade LGBTQIA+ e topou nos conceder essa entrevista sobre seu trabalho artístico e suas perspectivas sobre o underground nacional. 

Por Nic Oliveira*

Foto: Anderson Dias

Imersa S/A: Olá Amanda, desde o lançamento do debut autointitulado "La Burca" de 2013, a banda vem construindo uma importante trajetória na música alternativa e obscura do Brasil, participando de eventos e festivais relacionados ao punk, post punk, gótico e folk. Como você começou esse projeto? A história do La Burca começou antes de 2013?

Amanda Rocha: Sim, começou antes, bem antes. Eu já compunha desde a adolescência mas não encontrava espaço pra mostrar meu som, fiz uma outra banda antes, a Kaspar Horse, em 2005, acho... Mas era mais na linha guitar noise, tinha 3 guitarristas e até um trompete. Era uma loucura, muito trampo, muita gente. Eu sempre compus no violão (embora só tocasse baixo anteriormente), e tinha vários temas mais pro folk, postpunk, instrumental... Então comecei a esqueletar um som mais dinâmico e autossuficiente que envolvesse o mínimo de pessoas possíveis. Eu tentei até fazer algo performático com um maluco mas nós dois ficamos malucos demais no primeiro ensaio e quase fui parar no hospital kkkk. Então, pensei que um baterista não seria ruim, e em 2011 começamos a ensaiar, paramos e retornamos no final de 2012. Gravamos em janeiro e já lançamos o disco debut no primeiro show que fizemos, em fevereiro de 2013. Tudo de forma faça-vc-mesmo pelo nosso selo !punklorecords!

Imersa S/A: Durante esses anos de estrada a banda contou com a participação de diversos(as) músicos(as) em sua formação, como é para você encontrar parcerias e como isso influencia em seu processo criativo?

Amanda Rocha: É interessante por um lado e um pouco estressante por outro. Mas como eu já tenho meio pré-definido o que quero na bateria, fica mais fácil conciliar as vezes essas participações e formações. Desde o ano passado nós estamos em trio, entrou mais um guitarrista, o Guedes (ou Bela Lugosi pros mais íntimos heheh) e tenho curtido muito assim, acho que o som se intensificou mais, tá bem massa... E tô com o Ed Paolow na batera, um velho-amigo-de-guerra-sonora, então fica mais fácil o entrosamento, fora a distância de cidades, porque estou em Araraquara e ele em Bauru e tamo no meio de uma fucking pandemia num país corroído pela necropolítica bolsonarista de merda.  

Imersa S/A: Já faz alguns anos que você também participa de shows com as Mercenárias, uma das mais importantes bandas do punk/post punk nacional, como é essa experiência para você?

Amanda Rocha: Cara, é sempre emocionante, Mercenárias é meu berço musical, então para mim é uma realização, nunca imaginava isso. Só cantava no chuveiro ou com meus vinis chiando. Cantar com elas tem me inspirado muito a compor mais em português, a me soltar também na nossa língua. E foi bem legal como tudo aconteceu, a Sandra ouviu La Burca, curtiu uma listinha que eu tinha feito sobre uns sons em um site e viramos amigas tb. Agora é esperar essa pandemia passar e quem sabe voltar a tocar mais, porque a Sandra é de grupo de risco, então não há previsão nenhuma, aliás, pra ninguém. 

Imersa S/A: De uns tempos para cá temos visto mais bandas de rock com mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+ em sua formação, mas sabemos que estamos longe do ideal no que se refere à visibilidade que essas bandas têm dentro do underground, como você vê essa questão?

Amanda Rocha: Ainda é um pouco tímida mas tem mais eventos organizados ultimamente por nós mulheres, por selos, o último que participamos foi em janeiro, em SP, organizado pela Howlin Records e Efusiva Records e contou com uma pá de banda de sapas-queer-lindes, como a Pata (MG) e HAYS (SP). Também realizamos em Araraquara o Delas Festival, só voltado à bandas e artistas mulheres, e trouxemos as dykes da Sapataria, foi lindo, 0800 com baita público... Isso foi em dezembro de 2019, íamos ter outro em março, mas devido a pandemia tivemos que cancelar. Também fizemos um pocket show acústico no ano passado no Centro de Referência LGBT de Araraquara, só de ter um lugar como esse, fico muito feliz, é uma luta incessante a construção desses espaços para a comunidade queer. Tenho preferido tocar nesses rolês, primeiro porque é mais seguro, e há uma forte conexão e troca, claro. Por muito tempo toquei em rolê nada a ver por falta de opção, com macho escroto sexista e lgbtfóbico disfarçado de desconstruído, infelizmente o underground tá lotado desses tipo, mas também há um lado forte e lindo em construção contínua e de resistência. Eu sigo por esse lado, fortalecendo nosso cenário e quem somos. 

Imersa S/A: Existem bandas ou projetos musicais formados por pessoas LGBTQIA+ que você gostaria de indicar?

Amanda Rocha: Bloody Mary Una Queer band, Sapataria, Bioma, Pata, Bertha Lutz, Clandestinas, Hays, Rastilho, Mau Sangue, Chico de Barro, Xavosa, Estamira, Weedra, Obirin Trio, Roberta de Razão, Estamira, Anticorpos, Kindewhores, Messias Empalado, Moxine, Teu pai já sabe, Naome Rita... Tem uma porrada, não vou lembrar todas agora...

Imersa S/A: Podemos esperar novidades do La Burca em breve?

Amanda Rocha: Opa, estamos em processo de ensaios pra gravar o novo disquinho “Desaforo”. Até o final desse ano dramático teremos pelo menos a música pra suavizar a existência nesses tempos obscuros. E estamos com muitaaaaaaaaas saudades dos palcos, é lá que (r)existimos.

Imersa S/A: Obrigada pela participação e por sua música. Você tem alguma mensagem final para os leitores?

Amanda Rocha: Obrigada pelo espaço e interesse no nosso som! Acredito que caminho é o faça você mesmo, no fortalecimento da revolução sonora das queer, acredite e invente shows possíveis, respeita as mina, as mona, as queer tudo e nos chamem pra tocar assim que a pandemia acabar! 

Foto: Gabriel Santana

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Formação atual:

Amanda Rocha – Vocais, guitarras

Ed Paolow – Bateria

Denial Guedes (Bela Lugosi) – Guitarras


Discografia: 

2013 – “LA BURCA”

2015 - EP – “She goos to flowers”

2016 – “Kurious Eyes”


Apoie a banda:

https://laburca.bandcamp.com/

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Nic Oliveira* é cientista social e profissional da educação. Se interessa por culturas alternativas, pelas intersecções entre gênero, raça, classe e sexualidade e as relações entre arte e política.

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